Religião, política e futebol não se discutem, mas se misturam
Não foram poucos os trabalhos que apresentei a você mostrando a forte influência da religião no Primeiro Comando da Capital. Aquele que mais me marcou foi o MATA-MATA: reciprocidades constitutivas entre classe, gênero, sexualidade e território.Da mesma forma, a pesquisadora Renata Siuda-Ambroziak busca fazer uma análise global no seu artigo Polityka kościołów neopentekostalnych w okresie transformacji ustrojowej w Brazylii (Política das igrejas neo pentecostais durante a transformação política no Brasil, em tradução livre) publicado pela Uniwersytet Marii-Curie Skłodowskiej (UMCS).
É fato que, ao contrário de Roberto, Renata cita a facção paulista apenas de passagem, para ilustrar o inferno no qual o bispo Macedo foi jogado ao ser preso:
“... a Polícia Militar, realizou o assassinato em massa de mais de uma centena de prisioneiros, matando presos deitados com tiro na parte de trás da cabeça. (...) aqueles que sobreviveram ao massacre criaram no final dos anos 90 a maior organização criminosa do Brasil, o Primeiro Comando da Capital (PCC), responsável, entre outras coisas, pelo tráfico de drogas, sequestro e extorsão — enquanto Macedo estava preso, pessoas estavam sendo mortas no Carandiru atrás dos muros da prisão.”
A fonte que sacia a sede da IURD sacia também o PCC
Há uma forte relação entre a expansão do Primeiro Comando da Capital e da Igreja Universal do Reino de Deus. Ambas são consequência da busca pela satisfação da demanda por segurança da sociedade brasileira redemocratizada após duas décadas de Regime Militar.Quem conheceu ou vivenciou as demonstrações de fé dos integrantes do PCC conhece a forte influência dos grupos pentecostais e neopentecostais na facção, apesar de vivermos em uma nação de maioria católica e com forte influência das religiões afro-brasileiras.
Renata foi a primeira a me explicar a razão da disparidade entre o quadro esperado e a realidade dos fatos. Ambas as estruturas sociais cresceram simultaneamente, captando pessoas que buscavam novos caminhos após a queda do Antigo Regime.
Melhore de vida sendo nosso irmão
A Igreja Universal do Reino de Deus e o Primeiro Comando da Capital traziam em sua essência promessas de aceitação e ascensão social, melhora do poder de compra, esperança de enriquecimento e, de quebra, esclarecimento moral e espiritual para a vida de seus integrantes.A insegurança e as desigualdades sociais ostentam-se no Brasil redemocratizado — mais de 50 milhões de pessoas vivendo na faixa da pobreza e meio milhão presos, sofrendo atrás das muralhas todo tipo de violência e humilhações.
As pessoas que sentem alguma forma de privação grave ou ameaça imediata à vida ou à saúde se apegam a alguma crença a fim de mudar a situação — o engajamento em causas religiosas e em outras alternativas precárias é duas vezes maior entre a população mais pobre.
Avançando sobre as classes média e alta
Após dominarem os cárceres e as periferias, as duas organizações continuaram a crescer, infiltrando-se em outras camadas sociais — Renata diz que esse comportamento já era esperado e é reflexo da busca pela diminuição da desigualdade social.Quanto mais rica é uma pessoa, menos ela sente os efeitos da desigualdade social e da insegurança, tendo, assim, menor necessidade da religião ou da participação em grupos para garantir sua sobrevivência — no entanto, ainda assim esse indivíduo não é uma ilha.
Dessa forma, as gangues e as igrejas neopentecostais ganham espaço em território americano e por aqui, recebendo jovens das classes média e alta, levados pela insegurança quanto a um possível fracasso econômico ou pelo interesse em proteção contra seus inimigos.
Próximo passo: as eleições
A organização criminosa e a religiosa se articularam em todas as eleições, utilizando, assim como outros entes da sociedade, seus nichos para tentar colocar representantes nas casas legislativas — e até no executivo —, e esse ano não será diferente:"Já fizemos as contas e temos a certeza de que vamos conseguir de 400 a 500 mil votos de familiares dos 150 mil presos de São Paulo e isso é suficiente para eleger não só um deputado federal, mas deputados estaduais e dar muita força a qualquer legenda que nos abrigar."
”Líderes de igrejas evangélicas e partidos ligados a elas estão traçando uma estratégia para ampliarem suas bancadas na Câmara e no Senado a partir de 2019. O objetivo é aumentar de 93 para cerca de 150 o número de deputados federais e quintuplicar, de três para 15, o total de senadores.”
Ao analisar o trabalho de Renata Siuda-Ambroziak, não temos como não ver similaridade nos percursos das duas organizações. Agora as eleições podem ser o ponto em que ambas seguirão seus próprios caminhos, ou não — e manterão a simbiose.
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